Viviana, uma mulher comum, casada há 27 anos, conseguiu realizar seu grande sonho e lança o livro “Não sou feliz, mas tenho marido”. E, durante a coletiva de imprensa para falar da obra, encurralada pelos jornalistas, ela reforça aquilo que o título do livro indicava: seu casamento está em constante prova de força entre a harmonia do casal ou a preservação da individualidade. O roteiro poderia ter como modelo qualquer mulher dos anos 50, 60 e 70 do século passado. Trata-se de um monólogo baseado no livro de crônicas da escritora argentina Viviana Gómes Thorpe, retratando experiências recentes.
Interpretado pela brilhante Zezé Polessa, a peça originária do livro chega a Porto Alegre na metade de agosto, mas chama a atenção porque cutuca com humor e ironia em problemas enfrentados pelos casais atuais. A falta de diálogo, a poupança para bancar planos futuros, o amor masculino pelos automóveis, televisão e futebol, as horas que a mulher passa no salão de beleza ou o enorme apego feminino à sua família. A mesmice servida à mesa diariamente para manter as aparências ou o medo de trocar de estado civil. Tudo exposto sem nenhum botox para diminuir as rugas. Com as vísceras à mostra.
Na realidade, o livro tornou-se um best-seller e figurou na lista dos mais vendidos nove meses consecutivos na Argentina. A autora arrumou inspiração para escrever em tom 95% autobiográfico ao ser informada, após 27 anos de casada, pelo seu próprio marido, que ele comemoraria a data trocando-a por uma mulher de 27 anos. A Viviana, encarnada pela Zezé Polessa, ou a original argentina, não é um caso único. Quem sabe a sua colega de faculdade com aquele ar de superior? Ou a sua vizinha do 402? Não importa o nome. Mas existem muito mais Vivianas por aí, vivendo das aparências, apesar de toda libertação feminina.
O que posso dizer? Apenas que o livro é muito bom. Excepcional. E, se o seu relacionamento não anda na fase da lua-de-mel, a leitura pode ser o empurrão necessário para a decisão de ir cada um para o seu lado, voltar a ser indivíduo e se descobrir novamente. Não é preciso mais sorrir amarelo para aquele amigo de infância idiota do seu companheiro que sempre faz piadinhas imbecis. Nem fingir que perdoa a preferência escancarada da sogra pela outra nora. E muito menos calar o grito de gol do seu time porque não é o mesmo do seu marido e ele já deixou claro várias vezes que isso é provocação.
Terminar um relacionamento de muitos anos é como disse a autora, numa entrevista à Revista Época, na edição de 17 de julho de 2006, fugir de Alcatraz e jamais aceitar ser presa novamente. “Depois de haver cumprido prisão perpétua, porque 27 anos é prisão perpétua, sou como um fugitivo de Alcatraz, não quero ser capturado novamente de jeito nenhum”, destacava a Viviana argentina na entrevista. Acho que a minha identificação com a Viviana é plena: tanto no período em que esteve casada e no pós-separação. Assim como ela, sou destas mulheres que se enamoraram definitivamente da solidão.
Compactuo com Viviana atual a fúria dos convertidos. Durante um tempo pratiquei o matrimônio com devoção. Mas agora deixei de ser masoquista ou de tentar ensinar analfabetos inúteis. Para isso, é necessária muita vocação e, na grande maioria dos relacionamentos, pisotear todo o dia um pouquinho naquela pessoa que você realmente é. Até chegar o irreversível dia em que você deixou de existir. Por isso, alertem as Vivianas que vocês conhecem. Já podemos sim dizer que somos felizes sem um marido a tiracolo. Ou melhor, que servimos a nós mesmas.
(*márcia fernanda peçanha martins)
(**não sabia da existência do Dia do Solteiro (a), mas o texto publicado no coletiva.net. de minha autoria encaixa-se tão bem na data)
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