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domingo, 13 de julho de 2008

Dia do Cantor e Dia Mundial do Rock, 13 de julho

No dia do cantor e do rock, nada mais oportuno que lembrar Cazuza, grande poeta dos anos 80 do século XX, excelente cantor que encantou muitas gerações. Cazuza, que morreu prematuramente, aos 32 anos, num feio dia 7 de julho, teria feito 50 anos em 4 de abril.
A RUA DESCRITA POR CAZUZA (*)
Agora eu vou escrever para os miseráveis, que vagam pelo mundo derrotados. Para essas sementes mal plantadas que já nascem com cara de abortadas. Descendo a Avenida Independência, perto da hora de entrar na redação do Correio do Povo, caminhando quase que correndo porque sempre saio de casa atrasada e o tempo não pára, juro que encontrei algumas pessoas com essa descrição. Na Praça Dom Sebastião, ao lado do Rosário, pessoas fracas que perderam a viagem, alguns idosos sentados nos bancos conservados embaixo das sombras das árvores lendo jornais, uns adolescentes fumando um cigarro de maconha perto do chafariz e os taxistas esperando passageiro para a viagem.
No outro lado da Avenida – que reúne um misto de pequeno comércio, bancos, botecos, edifícios que resistem a modernidade e farmácias e casas esotéricas – corpos deitados tiram a sesta na escadaria do Viaduto da Conceição. Alheios ao que acontece na rua. Aliás, que rua, me indagou o menino de 12 anos quando perguntei se ele não tinha medo de ficar dormindo ali e ser assaltado ou violentado. E ele disse: “a gente não pode é dormir de noite, de dia com gente passando, nada nos acontece”. Lembrei do Cazuza e seu Blues da Piedade, que me inspirou o início da crônica e pedi piedade para essa gente careta e covarde.
Continuei firme no meu caminho e quase não consegui desviar de tanto carro mal orientado na frente da Praça Dom Feliciano, defronte a Santa Casa de Misericórdia, rogai por nós. Sempre ali, invariavelmente, um homem mal vestido e com aspecto de quem não vê comida desde que nasceu, arrasta-se com uma caixa velha de sapato constrangendo quem passa ao colocar o seu “cofre” na frente do pedestre. Já nos conhecemos. De anos. Embora nenhum dos dois saiba o nome do outro. Mas, ele já reconhece minhas feições. Dia desses, arriscou; “nada bom pro seu lado né ?”. Pedi que ele mantenha sempre a grandeza e a coragem.
Alcancei a subida da Rua dos Andradas e acelerei o passo. Afinal, tenho 15 minutos cravados e o centro é muito neurótico nessa hora. Quase na esquina com a Doutor Flores, um homem, aparentemente cego, berra sobre os milagres daquele giz que mata rato, barata e até pensamento, se duvidar. Nem desconfia que a maioria do povo passa ali fechando os ouvidos para não escutar seu som estridente, e que a sua volta um monte de gente sem fazer nada fica parecendo inseto em volta da lâmpada.
Vamos, menina! Apressa o passo que as pautas já estão esperando, deve ter um incêndio sobre a chuva rala, algum ex-marido matou a mulher com golpes de machado, o governo vai anunciar um novo investimento e não é a GM. Não te ilude, embora com um trabalho sabe-se lá até quando fixo, tu é igual aos outros com quem cruzaste no teu trajeto. O fato de vestir uma roupa mais alinhadinha e um caminhar seguro, não é sinal de status quo. Somos todos iguais em desgraça.
Não custa uma entrada de cinco minutos na Igreja do Rosário, sentar e olhar para o teto pintado lindamente e ficar imaginando, por minutos, um pouco mais do que o mistério da vida e da morte. Vou rezar por aqueles que encontrei no caminho, companheiros de jornada diária de caminhada. Vou rezar pela minha mãe, que ontem me abraçou uterinamente para me dizer, mais uma vez, que eu tenho que ir atrás do meu sonho. Vou rezar para a Gabriela e pedir que ela tenha sempre saúde e vivacidade. Aproveito e rezo também para aqueles que não sabem amar, ficam esperando alguém que se encaixe no seu sonho.
Já cruzei num movimento contínuo a esquina democrática e me esquivo dos moços e moças que enfiam no nariz da gente aqueles papéis de crédito fácil. Ufa, quase chegando. Dez a zero para mim ao conseguir passar ilesa pelas Lojas Americanas, porque mulher sempre lembra de alguma coisa super necessária para comprar ali. Chego na Praça da Alfândega e admiro seus cheiros, as árvores, a banca de revistas, me enojo um pouco com o odor do xixi no chão. Mas logo me animo com o sorriso do indiozinho mamando na teta de sua mãe guarani.
Quase no meu destino final na Rua Caldas Júnior, ainda passo pelo homem que ensina matemática cantando, brincando, sorrindo, e lembro da Guga, professora da minha filha na 4ª série que sempre dizia: “matemática não é um bicho de sete cabeças”. E, também, topo com um pintor e uns artesãos. Enfim, cheguei. Ao subir no centenário elevador do Correio do Povo, penso. Estou caduca. Porque iniciei a colua escrevendo com a música do Cazuza? Para não me esquecer do maior poeta do cotidiano e os seus 15 anos de ausência cravados no calendário no dia 7 de julho. A burguesia fede.

Márcia Fernanda Peçanha Martins
publicado originalmente no site www.coletiva.net

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