Depois de sucessos espetaculares como a Banda, Pedro Pedreiro, Roda Viva, entre outros tantos, no final da década de 60, ele sai do Brasil, não sem antes pedir perdão pela duração da provável temporada. No seu regresso, dois ou três anos após, o bom menino não escondia uma simpatia pela política, como deixa claro nos versos; “diz que eu sou subversivo, um elemento ativo, feroz e nocivo”. Naquele tempo não existia muito espaço para o artista que não se manifestasse e Chico optou por atuar como o principal porta-voz dos sentimentos da alma nacional.
Foi o período em que compôs Construção, em que brotou todo o lirismo e a poesia dos trabalhadores em seus afazeres rotineiros. Nos versos “amou daquela vez como se fosse o último, beijou sua mulher como se fosse a única (....) subiu a construção como se fosse sólido e ergueu no patamar quatro paredes mágicas”, ele investe em sua música de confronto com as convenções e instituições. Já percebendo que “aquele moço tava diferente, já não o conhecia mais" a censura faz um acompanhamento mais efetivo de seu trabalho. Para escapar, lança-se como ator, escritor, adapta musical de sucessos para crianças, como os “Saltimbancos”, e adota, para enganar a famosa Dona Solange, conhecida censora daqueles tempos, codinomes como Julinho da Adelaide ou Leonel Paiva, pseudônimos que escondiam o nome já perseguido de Chico Buarque.
Se Chico é, realmente unanimidade nacional, como disse Millôr Fernandes, o moço superou-se ao compor e cantar para o universo feminino as letras mais criativas, abusadas, reveladoras e sensíveis da alma e do coração das mulheres. Impossível reduzir a importância de Chico em músicas como “Apesar de Você”. “Tanto Mar”, “Vai passar” ou “Deus lhe pague”. E é insensatez não concordar que ele inaugurou um realismo áspero de vida conjugal – camuflado naquela época – de descrição do amor mais terno, de insinuações sobre o ato sexual e de hinos de relacionamento, eterno enquanto duravam, sentenciou Vinícius de Moraes.
Por isso, ao despertar para as tarefas rotineiras dos sábados e me deparar com a notícia do Chico (quanta intimidade) sessentão, corri para coleção de LPs (ainda tenho vinil) e CDs e curti o moço enquanto a Festa Junina do colégio de minha filha não me afastou desta magia. Percebi, então, que fui feita sob medida para as suas canções e que tenho o amor que mereço; e de todas as maneiras que há de amar eu já amei; e que já me agarrei várias vezes nos pelos do amado, no pijama, nos pés dele ao pé da cama. Depois, conclui que poderia fazer um bom doce, com açúcar e afeto, seu doce predileto, e quem sabe não ficaria no corpo dele como tatuagem, e se ele quisesse, diria-lhe que sou dessas mulheres que só dizem sim. Diria que não precisava me trazer nada, nada perguntar, nem seu nome, mas que chegasse sorrateiro e antes que eu dissesse não, se arrumasse feito um posseiro dentro do meu coração.
Admito, no entanto, que esse sessentão, autor de um importante capítulo na história da MPB me comove com tantas composições que faltaria espaço nesse site. Mas, o hino de amor que me arrepia e que me emociona sempre que o ouço é “Eu te amo”. Para encerrar meu artigo, me permitam citar os versos que mais me tocam: “se nós nas travessuras das noites eternas já confundimos tanto as nossas pernas diz com que pernas eu devo seguir; se entornaste a nossa sorte pelo chão se na bagunça do teu coração meu sangue errou de veia e se perdeu; como se na desordem do armário embutido meu paletó enlaça o tu vestido e o meu sapato inda pisa no teu”. Com licença, internautas, vou colocar a música para repetir no aparelho de som.
Márcia Fernanda Peçanha Martins (publicado originalmente no site www.coletiva.net em 2004)
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