Os monstros da imaginação
Quando pequenos, aprendemos que monstros não existem, fantasmas são tolices da nossa imaginação pueril e bruxas más como a da Branca de Neve ou da Bela Adormecida jamais foram além da criatividade de quem as fantasiou. Na infância, acreditamos naquilo que os mais velhos nos ensinam, obedecemos as suas ordens e aceitamos as "combinações" (termo em moda na psicologia moderna infantil). Será mesmo que todas as crianças crescem sem medo de monstros ou fantasmas que lhes assaltavam o quarto e obrigavam a compactuar com jogos sexuais de adultos?
Não. Certamente, os contos infantis têm final infeliz para algumas crianças que conviveram com familiares fantasiados de perversidade. Pais, mães, primos mais velhos, irmãos, padrastos, babás e uma corja que não merece ser chamada de humana. São monstros, ferozes, temíveis, indescritíveis, que sempre voltam à cena do crime, contrariando todas as regras dos livros de suspense. Na maioria das vezes, seres irracionais e insaciáveis. Esses monstros existem. Estão em vários cantos, lares, casas de famílias, de todas as hierarquias sociais.
E as estatísticas menos confiáveis, porque nem todos os abusos são denunciados, indicam que a violência sexual contra a criança e o adolescente deixa marcas profundas que nem sempre formam cicatrizes. Apontam levantamentos feitos por órgãos competentes no Rio Grande do Sul que, a cada oito horas, uma criança sofre abuso no Estado. A maior parte cometido por pessoas bem próximas à criança. Parece que, em alguns casos, as crianças que sofrem esse tipo de violência aprendem a conviver com os monstros. O mesmo estudo conclui que crianças abusadas que não receberam nenhum tipo de tratamento tornam-se futuros agressores.
O Dia das Crianças Vítimas de Agressões Internacionais, que ocupa o 4 de junho no calendário mundial, não pode passar como uma nova estória infantil mal contada. Em outras ocasiões, já me manifestei contra a criação de datas para marcar determinadas minorias ou enaltecer doses de carinho que devem ser dadas nos 365 dias do ano. Não se trata de nenhuma das hipóteses. Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes crescem porque foram criados novos meios de denúncias. As crianças marcadas pelo ato sexual obrigatório não podem ser enquadradas em minorias.
Toda atitude que ajude a reconstruir os direitos fundamentais dessas crianças e adolescentes, a sua auto-estima e a vontade de voltar a convivência em sociedade, deve ser saudada e estimulada. Se um monstro não vacila e retorna várias noites ao quarto da criança, impondo a essa criaturinha uma violência sexual doméstica que pode lhe acompanhar o resto da vida, devemos, em ações individuais ou coletivas, ensinar à vítima que isso é crime e deve ser denunciado. As crianças precisam ter consciência de que não são obrigadas a ceder aos monstros e nem temer a ameaça de que a mamãe ficará sabendo, porque, às vezes, as famílias são coniventes.
De cada quatro vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes, três são meninas. E todas sofreram abuso dentro do que deveria ser chamado de "Lar Doce Lar", onde se imaginavam protegidas. Abrigos inseguros onde durante o dia aprendiam que monstros, fantasmas e bruxas más são coisas da imaginação. Nesses locais, nos seus quartos de mobílias pobres ou de luxuosas paredes decoradas com as figuras das heroínas do momento, essas crianças perderam a ternura. Fernando Pessoa, no livro "Desassossego", narra: "Lembro-me de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Porque então eu (não sendo consciente), eu era a vida".
Márcia Fernanda Peçanha Martins
Quando pequenos, aprendemos que monstros não existem, fantasmas são tolices da nossa imaginação pueril e bruxas más como a da Branca de Neve ou da Bela Adormecida jamais foram além da criatividade de quem as fantasiou. Na infância, acreditamos naquilo que os mais velhos nos ensinam, obedecemos as suas ordens e aceitamos as "combinações" (termo em moda na psicologia moderna infantil). Será mesmo que todas as crianças crescem sem medo de monstros ou fantasmas que lhes assaltavam o quarto e obrigavam a compactuar com jogos sexuais de adultos?
Não. Certamente, os contos infantis têm final infeliz para algumas crianças que conviveram com familiares fantasiados de perversidade. Pais, mães, primos mais velhos, irmãos, padrastos, babás e uma corja que não merece ser chamada de humana. São monstros, ferozes, temíveis, indescritíveis, que sempre voltam à cena do crime, contrariando todas as regras dos livros de suspense. Na maioria das vezes, seres irracionais e insaciáveis. Esses monstros existem. Estão em vários cantos, lares, casas de famílias, de todas as hierarquias sociais.
E as estatísticas menos confiáveis, porque nem todos os abusos são denunciados, indicam que a violência sexual contra a criança e o adolescente deixa marcas profundas que nem sempre formam cicatrizes. Apontam levantamentos feitos por órgãos competentes no Rio Grande do Sul que, a cada oito horas, uma criança sofre abuso no Estado. A maior parte cometido por pessoas bem próximas à criança. Parece que, em alguns casos, as crianças que sofrem esse tipo de violência aprendem a conviver com os monstros. O mesmo estudo conclui que crianças abusadas que não receberam nenhum tipo de tratamento tornam-se futuros agressores.
O Dia das Crianças Vítimas de Agressões Internacionais, que ocupa o 4 de junho no calendário mundial, não pode passar como uma nova estória infantil mal contada. Em outras ocasiões, já me manifestei contra a criação de datas para marcar determinadas minorias ou enaltecer doses de carinho que devem ser dadas nos 365 dias do ano. Não se trata de nenhuma das hipóteses. Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes crescem porque foram criados novos meios de denúncias. As crianças marcadas pelo ato sexual obrigatório não podem ser enquadradas em minorias.
Toda atitude que ajude a reconstruir os direitos fundamentais dessas crianças e adolescentes, a sua auto-estima e a vontade de voltar a convivência em sociedade, deve ser saudada e estimulada. Se um monstro não vacila e retorna várias noites ao quarto da criança, impondo a essa criaturinha uma violência sexual doméstica que pode lhe acompanhar o resto da vida, devemos, em ações individuais ou coletivas, ensinar à vítima que isso é crime e deve ser denunciado. As crianças precisam ter consciência de que não são obrigadas a ceder aos monstros e nem temer a ameaça de que a mamãe ficará sabendo, porque, às vezes, as famílias são coniventes.
De cada quatro vítimas de violência sexual contra crianças e adolescentes, três são meninas. E todas sofreram abuso dentro do que deveria ser chamado de "Lar Doce Lar", onde se imaginavam protegidas. Abrigos inseguros onde durante o dia aprendiam que monstros, fantasmas e bruxas más são coisas da imaginação. Nesses locais, nos seus quartos de mobílias pobres ou de luxuosas paredes decoradas com as figuras das heroínas do momento, essas crianças perderam a ternura. Fernando Pessoa, no livro "Desassossego", narra: "Lembro-me de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Porque então eu (não sendo consciente), eu era a vida".
Márcia Fernanda Peçanha Martins
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