Vida Louca, Vida Breve
Vida louca, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve. Ninguém vai nos perdoar, nosso crime não compensa. A letra da música do roqueiro Lobão, conhecido por brigar contra tudo, todos e qualquer situação, bem que poderia servir de hino dos jornalistas. É uma categoria que se mostra eternamente insatisfeita. Sempre buscando mais e reclamando se os dias parecem normais. E, talvez aí resida o maior atrativo do jornalismo e a força que empurra o profissional para um novo dia que sempre promete ser mais excitante que o anterior.
A normalidade pode ser confundida com acomodação. E isso, definitivamente, não rima com jornalismo. Então, muitas vezes sem perceber que uma certa normalidade, embora não combine com a profissão, pode perfeitamente ser associada à qualidade de vida, o jornalista estranha os dias tão iguais. E termina dando mais um deadline para a sua saúde. Afinal, sempre tem alguma coisa mais urgente para realizar. Quando poderia aproveitar esses dias de normalidade para rever seus exames, remarcar os médicos e colocar a pauta da qualidade de vida como reportagem especial.
Mas jornalista só se preocupa com a saúde em duas situações: ao ficar sabendo da morte de algum ex-colega e ao tomar conhecimento de sua doença, quem sabe já em condições bem adiantadas. A insatisfação pode ser reflexo desse saber que a vida é louca e breve. O jornalista sabe que desafia a vida porque é diariamente desafiado pela vida na rotina de sua profissão. Tem pressa. Corre contra o tempo. E não tem tempo para nada. A agenda está sempre lotada. Precisa ler os jornais, acompanhar os noticiários, cumprir as pautas, ouvir todas as fontes, conferir os nomes, reler as matérias....
Os dias parecem pequenos. E, invariavelmente, ao final de um dia de trabalho, o jornalista segue para sua casa com a certeza de que esqueceu de checar algo importante e dorme, alimentado por calmantes, com o medo de acordar e levar furo do concorrente. Sem falar no ambiente das redações e das assessorias. A insatisfação e a pressa são sentidas no jeito mais agressivo de falar com os colegas, na angústia à espera do retorno de uma fonte, no movimento contínuo até a térmica do café, no rotineiro pular das refeições pela falta de tempo e no atropelo pelo cumprimento das pautas.
É evidente que outras categorias também têm acúmulo de problemas e condições nem sempre adequadas de trabalho. Não deve ser uma exclusividade do jornalista. As relações trabalhistas neste país andam com passos de tartaruga. No caso do profissional de jornalismo, soma-se o fato de jamais estar desinformado, que é um pecado mortal, e as horas nem sempre certas das pautas, que terminam gerando horas incertas de vida particular. E alguém reclama? Não. É difícil. De vez em quando, bate um desencanto e um jornalista levanta a voz para dizer que tem vida privada e quer algo mais regrado e coisa e tal.
O protesto isolado logo é esquecido ao ouvir o elogio pela reportagem que ficou ótima, ao saber que irá cobrir uma visita presidencial ou que foi escalado para aquela viagem internacional. E, mais uma vez, o jornalista deixa suas queixas para depois e também adia o seu check-up. Não tem tempo para essas coisas normais do dia-a-dia. Precisa correr. É um enlouquecido nas redações e digitando nervoso nas teclas dos computadores. Parece o coelho da “Alice no País das Maravilhas”, com muita pressa. Novamente, prorroga qualquer plano de vida normal. Sabe que a vida é louca e breve.
Márcia Fernanda Peçanha Martins (jornalista, é claro)
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