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quarta-feira, 23 de abril de 2008

O mundo é chato

Aos dez anos o garoto olhava as montanhas. Sabia que a terra era chata. A noite sonhava com o sol, de como ele fazia para ir de um lado ao outro. No inverno demorava mais, devia ser pelo frio, que lhe dificultaria os passos, fazia assim uma noite mais longa. As montanhas, já sabia como eram feitas, de terra e pedras, acumuladas depois de um dilúvio, isso há muitos anos atrás. O mundo não passava das fronteiras do Rio Grande do Sul.

Foi assim que um dia ele encarou um livro. Era gigante. Mesmo nas grandes jornadas, um pequeno passo, já nos leva mais para perto do fim. O ano era 1990. O rádio a pilha transmitia um jogo de futebol, entre Alemanha e Argentina. Um parafuso retorce na cabeça do jovem. Onde fica isso? Depois de um tempo encarando o livro sagrado, abriu-o. No principio parecia gigante, mas página a página, devorava avidamente as histórias das tribos nômades que formaram Israel. Neste livro tinha um mapa do oriente médio.

Depois destas descobertas fechou-se no mundo de um deus imaginário, sonhando com as mesmas aventuras. Fez dos livros seus amigos. Lia de tudo. Descobriu que o mundo era gigantesco, maior que as escrituras bíblicas, e redondo. O sol não mais corria de um lado para outro, mas parou no centro de tudo. Descobriu que as pessoas mentiam e enganavam. Leu mais e mais. Soube que o mundo começou antes de Adão. Houve uma era tomada por animais gigantescos.

Tomou gosta cada vez maior pelas palavras impressas. Leu bulas de remédio, fanzines, jornais velhos, revistas e até placas de publicidade. Descobriu que o mundo não tinha fronteiras, as cabeças humanas sim, elas delimitavam cercados por cor, religião e poder. Descobriu que mesmo os mais belos são podres de feios ao se olharem no espelho e que mesmo os ricos, são pobres, pobres criaturas perdidas neste mundo. Há um mundo só de aparências fedido insuportável, putrefato em seu centro, mas revestido pela brilhante e reluzente carapaça de ouro.

Seus amigos ainda estavam lá. Empoeirados e corroídos pelo desleixo de muitos humanos, que chamam o descaso de traça. Eles não se afastariam jamais. Descobriu, enfim, que o mundo é muito chato, igual a um livro, por isso prefere este, o outro não tem páginas.

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