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sexta-feira, 18 de abril de 2008

O homem que matou Lobato

Eu ainda gostava da minha vida, quando ela fugiu pela porta que o vento abrira, e não consegui fechar a tempo. Tentei segurá-la pelo pé pelo menos, mas restou apenas um sapatinho de cristal na minha soleira. Fiquei estirado no chão, olhando para o teto nu, e lembrei, nunca tinha conversado com ele. Com as paredes sim, tínhamos mantido longos diálogos, por anos e anos, até que um dia não havia mais parede nua, estava recoberta com sabedoria infinda, e agora ela conversava comigo. Era outubro ou julho, já tinha parado de contar os dias fazia anos.

Fazia anos que não via a rua. Não mudara quase nada. Exceto pelo cara maluco que tentava pular meu muro. Assustei. Mas não me movi, esperava a resposta da pergunta feita para o teto, e ainda não conseguira. O homem conseguiu seu intento, eu não consegui o meu. Ele invadiu minha casa. Pegou-me pelo pescoço, e rispidamente me indagava.

- Cadê o tal Monteiro Lobato?!?

Olhei para os lados pensando se tratar de uma pegadinha destas da televisão, mas nada de câmeras. O camarada insistiu.

- Cadê este miserável comunista?!? Eu vou matar este cara!

Eu tentei responder, mas estava impossibilitado, os dedos daquela criatura já me trancavam as vias da fala. Era um mostro, quase dois metros de altura, com uns braços quase como dois moirões.

Eu já estava morto mesmo, nem sabia, ou fingia que ignorava. Alguém entra correndo, enquanto confiro meu pescoço, ainda no chão, com o sapatinho de cristal na mão. Reconheci o garoto. Era eu. Trazia um livro nas mãos. Era do Monteiro Lobato.

- Então esta aí!?!?

O homenzarrão arranca o livro das mãos do garoto e corta em pedaços, e faz uma fogueira.

- Estão todos loucos! Nunca mais meu filho vem neste antro para ler estas baboseiras. Isso atrapalha o homem. E o senhor é culpado disso.

Ele me olhou com olhos vermelhos de raiva, como quem vai sepultar outro sob a terra. Faltavam dois dedos de aterro.

- Tu deve ser comunista também. Seus devoradores de criancinha. Não vê o mal que fazes a estes meninos? Nem querem mais trabalhar, nem dez anos tem, e acham que podem se governar. Nada disso, tem que trabalhar, assim como eu.

Escravo do mundo. Saiu porta afora, como um touro ferido em olé na Plaza de Las Ventas, e eu ali, velho, estirado no tapete, recebendo um afago nos meus sonhos de menino.

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